domingo, 27 de janeiro de 2013

O AMOR AOS ANIMAIS NA LITERATURA GAÚCHA




A gênese sócio-econômico-cultural do gaúcho está visceralmente associada às vísceras de animais vacuns, carneados e coureados, após serem caçados na extensão sem aramados dos campos do Pampa. O charque, o couro, o sebo são substantivos indissociáveis a esse tipo humano que, naqueles tempos idos, era sinônimo de gaudério que, por sua vez, era sinônimo de vagabundo, ladrão, parasita.
A  relação do gaúcho campeiro não raro é cantada como sendo desarmônica no tocante aos animais com os quais convive, dado, talvez, ao viés utilitário que a racionalidade humana dirige aos mesmos, seja em se tratando do cavalo (veículo de locomoção e de tração e instrumento de competição), do vacum (produto de consumo, tração e comércio), do cachorro (ajudante nas campereadas), do gato (caçador de ratos nos paióis de milho e moradias).
Mas quem buscar na literatura oral, musical e bibliográfica do Rio Grande do Sul terá felizes surpresas ao se defrontar com evidentes sentimentos de compaixão dedicados pelos seres humanos aos animais.
Um exemplo está no conto “Boi Velho”, de autoria de João Simões Lopes Neto, o qual faz parte da obra “Contos Gauchescos”. Na vasta obra de Barbosa Lessa também se encontram imagens que expressam amor aos animais, mesmo quando o relato tende ao pitoresco como, no conto "Queimadores de Campo", de Barbosa Lessa, publicado, inicialmente, no seu livro “O Boi das Aspas de Ouro” e, recentemente, na derradeira obra "Histórias para sorrir" (Editora Alcance, 2005).
O conto “A Cidade”, também de Barbosa Lessa, incluída no livro “Rodeio dos Ventos”, que já integrava o citado livro “O Boi das Aspas de Ouro”, é outra prova da valorização dos animais, tanto que o cusco Mosquito é a personagem principal e, certa vez, movido pela curiosidade, resolve seguir seu dono a cavalo e juntos entram na cidade que para ele era um mundo desconhecido. Quem desvenda os mistérios daquele núcleo urbano é o cusco e pelas informações que chegam ao leitor, sugeridas pelo belo texto, a cidade é, sem dúvida, a histórica Piratini.
Na discografia gaúcha, podemos lembrar: “O boi é bicho mas tem alma sob o couro”, um verso de José Hilário Retamozo na obra musical “Poncho Molhado”, verdadeiro clássico nativista; "Matança” (de José Cláudio Machado), uma música que denuncia a venda de cavalos velhos para os matadouros; “Florêncio Guerra e seu Cavalo” (versos de Mauro Ferreira musicados por Luiz Carlos Borges) fala da tristeza do peão ao ser obrigado pelo patrão a matar o cavalo de sua confiança, onde a comoção do empregado rural é tanta que comete suicídio logo após apunhalar seu amigo.
Embora a visão antropocêntrica ainda pareça imperar com vigor, vislumbra-se um crescimento de uma consciência acerca dos direitos dos animais, tanto pelos noticiários nos grandes meios de imprensa, quanto pelo crescente número de páginas virtuais dedicadas ao tema. É uma perspectiva que se abre para que os humanos se enxerguem não como superiores aos demais seres mas, sim, como habitantes deste planeta Terra, com deveres de respeitar a diversidade biológica, inspirados em valores éticos e ecológicos. Nesse contexto está, obviamente, o gaúcho que não poderá fugir desse sentimento global, nem que para isso tenha de revisar suas “tradições”.


JUAREZ MACHADO DE FARIAS
  Advogado e Radialista.


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